sábado, 18 de julho de 2015

Sobre ilustrações de duas espécies de SAGUINS ou SAUINS amazônicos do gênero Saguinus

Colaborador: Roberto da Rocha e Silva

Remexendo documentos antigos encontrei um projeto de pesquisa do Dr. Paulo Roberto Neme do Amorim (médico aposentado e responsável pela RPPN REVECOM, Santana, Amapá), datado de abril de 1983, que descrevia seu interesse em pesquisar aspectos ecológicos de duas espécies de primatas amazônicos na intenção de colaborar com o então Centro de Primatologia do Rio de Janeiro da Fundação Estadual de Engenharia do Meio Ambiente (ex-FEEMA e atual Instituto Estadual do Ambiente-INEA) da Secretaria Estadual de Meio Ambiente do Rio de Janeiro. 
Os primatas em questão eram respectivamente o bugio vermelho (Alouatta seniculus e o Saguinus bicolor Martinsi), este último ainda muito pouco conhecido da ciência zoológica. Note que nesta descrição Martinsi aparece como subespécie de Saguinus bicolor. Estudos posteriores corrigiram esta situação. As pesquisas sobre Alouatta seniculus não tiveram desdobramentos mas foi muito importante a interação com Dr. Paulo Roberto em relação ao gênero Saguinus. Na época ele era estagiário do Departamento de Vertebrados do Museu Nacional (UFRJ) na Quinta da Boa Vista, Rio de Janeiro, RJ. O grande mérito desta proposta foi que - pela primeira vez no mundo – tivemos em cativeiro um exemplar do Saguinus Martinsi. 
Como são raras as fotos desse primata, achamos por bem apresentar o indivíduo que recebemos na época, já devidamente aclimatado às nossas condições ex situ no Centro de Primatologia do Rio de Janeiro. Para não perder o momento também apresentamos imagem do sagui de duas cores (Saguinus bicolor) já que esta espécie amazônica está ameaçada de extinção exatamente onde se situa a cidade de Manaus e seus arredores. Com o aumento da população brasileira e da urbanização desordenada ou não, os espaços florestais vão desaparecendo e tornando inviável a vida dessas espécies notoriamente arborícolas. A IUCN categorizou Saguinus bicolor como EM PERIGO (EN=ENDANGERED) conforme consta de sua lista vermelha: www.redlist.org .


Saguinus bicolor no Centro de Primatologia em 2001. (Foto Roberto Rocha)




Saguinus Martinsi no Centro de Primatologia em 2002, (Foto Roberto Rocha).

Segundo a IUCN a situação de Saguinus Martinsi é pouco preocupante (LC=LEAST CONCERN) e esta espécie não está sob ameaça imediata. No entanto, há mineração de bauxita na região inferior do rio Trombetas, motivo de preocupações. 
Saguinus Martinsi apresenta duas subespécies que vivem muito próximas geograficamente, a saber: Saguinus Martinsi Martinsi e Saguinus Martinsi ochraceus.     
Tomei ciência dessas duas espécies de primatas endêmicos da amazônia através de uma prancha colorida – das quarenta e duas feitas pelo desembargador Dr. Eladio da Cruz Lima (1900-1943) – no livro “Mamíferos da Amazônia” – uma contribuição do Museu Paraense Emílio Goeldi de História Natural e Etnografia, Belém do Pará, 1944. Formado em direito pela Universidade do Rio de Janeiro, em 1925, o paraense Eladio também era excelente desenhista e atuou como auxiliar do professor Alípio de Miranda Ribeiro na Seção de Zoologia do Museu Nacional da Quinta da Boa Vista, Rio de Janeiro. Depois que retornou ao Pará, em 1926, associou-se aos trabalhos de zoologia do Museu Paraense Emílio Goeldi. 
Os estudos iniciais sobre a mastofauna amazônica tiveram em Goeldi um dos seus principais incentivadores. Em 1904, publicara com Godofredo Hagmann (da Seção de Zoologia do Museu) “Prodomo de um catálogo crítico, comentado da collecção de Mammiferos no Museu da Pará”. Esse documento apontou 111 espécies de mamíferos brasileiros, quase todas da região amazônica, e foi a primeira grande contribuição desde a reorganização do Museu Paraense, a partir de 1894. Perceba-se aqui a carência de trabalhos científicos escritos no Brasil, em relação à nossa fauna.
O livro Mamíferos da Amazônia, volume I : Introdução geral e primatas - de elevado custo - foi publicado graças à liberalidade do Dr. Guilherme Guinle que custeou as despesas de impressão e desejava que outras mais pudessem dar continuidade à série a partir da venda desses primeiros exemplares. Essa bela e rara obra foi publicada em português e em inglês, consistindo de 975 exemplares para cada idioma. Uma edição especial, com 50 exemplares, (25 em inglês e 25 em português)  foi rubricada pelo autor. Os conteúdos não foram alterados nas duas versões.  
A prancha XXXIII de Eladio da Cruz Lima ilustra Marikina bicolor (1) e Marikina Martinsi (2) em posições naturais tendo ao fundo um cenário florestal amazônico. Podemos afirmar que ao Dr. Eládio cabe o mérito de organizar o primeiro documento detalhado, em português, sobre as espécies de primatas da Amazônia. Embora sua formação fosse na área jurídica demonstrou um enorme cuidado ao consultar outros pesquisadores da época, organizando chaves de classificação, tecendo comentários sobre a coloração dos exemplares, biometria, origem do tipo e observações gerais comparativas sobre cada espécie.    

Os mesmos saguins amazônicos foram ilustrados por Stephen D. Nash em “Marmosets and Tamarins” – Pocket Identification Guide - graças à iniciativa da Conservation International (CI) divulgando a biodiversidade do mundo através de sua “Tropical Pocket Guide Series”. Este prático guia de bolso apresenta um total de 61 espécies de pequeno porte, ilustrando os gêneros Cebuella, Callibella, Mico, Saguinus, Callimico, Callithrix  e Leontopithecus.  
As imagens dos primatas estão sobrepostas a um pequeno mapa da sua região de ocorrência no Brasil. Veja as figuras abaixo que foram devidamente recortadas do guia de bolso e alinhadas horizontalmente para facilitar a comparação das espécies. O sauim da direita (Saguinus Martinsi) está um pouco menor do que seu tamanho original.




Convém lembrar que estudos taxonômicos dos primatas brasileiros ainda estão em andamento e periodicamente ocorrem novas alterações nomenclaturais.   

Quanto aos primatas da região oriental brasileira, em especial do bioma Mata Atlântica, o Centro de Primatologia/INEA alcançou também diversos sucessos reprodutivos publicando trabalhos inéditos que ampliaram o conhecimento primatológico no Brasil, tendo como seu principal mentor o professor Adelmar Coimbra Filho. Foram reproduzidos em cativeiro diversos exemplares de Callithrix, Leontopithecus, Cebus (=Sapajus) e Brachyteles. 
A patologia de primatas neotropicais foi igualmente beneficiada através de estudos realizados com diversas instituições nacionais e internacionais, especialmente pelas contribuições do médico veterinário Dr. Alcides Pissinatti. 
O professor Coimbra (in memoriam) deixou um legado científico e conservacionista relevante para o Brasil. Atualmente a chefia do Centro de Primatologia permanece aos cuidados do médico veterinário Dr. Alcides Pissinatti. 

BIBLIOGRAFIA

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Egler, S. G. 1983. Current status of the pied tamarin in Brazilian Amazônia. IUCN/SSC Primate Specialist Group Newsl. (3): 20.

Egler, S. G. 1986. Estudos bionômicos de Saguinus bicolor (Spix, 1823) (Callithricidae, Primates) em uma mata alterada em Manaus, AM. Master’s thesis, Universidade Estadual de Campinas, Campinas.

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Rylands, A. B., Bampi, M. I., Chiarello, A. G., Fonseca, G. A. B. da, Mendes, S. L. and Marcelino, M. 2003. Saguinus bicolor. In: 2003 IUCN Red List of Threatened Species. Website: . Downloaded 6 March 2004. 

Snowdon, C. T. and Soini, P. 1988. The tamarins, genus Saguinus. In: Ecology and Behavior of Neotropical Primates, Vol. 2, R. A. Mittermeier, A. B. Rylands, A. F. CoimbraFilho and G. A. B. da Fonseca (eds.), pp. 223-298. World Wildlife Fund, Washington, DC. 


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Subirá, R. J. 1998b. The status of the pied tamarin, Saguinus bicolor. Neotrop. Primates 6: 128. 

Thomas, O. 1912. On small mammals from the lower Amazon. Ann. Mag. Nat. Hist. Ser. 8, 9: 84-90.

Obs.: as informações sobre Eládio da Cruz Lima e sobre o Museu Paraense Emilio Goeldi foram transcritas do próprio livro Mamíferos da Amazônia a partir dos conteúdos de suas páginas iniciais. 
  

2 comentários:

  1. Olá professor Roberto. É uma pena você ter se aposentado e se afastado CPRJ. Embora sua luta conservacionista continue e sua dedicação ao magistério também seja brilhante, você faz falta porlá.

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  2. Alô amigo Môsar. Andei envolvido também com os quelônios de água doce aqui no Brasil por um bom tempo, mas o que conta é a vontade de conhecer melhor essa incrível fauna brasileira, infelizmente pouco valorizada no sentido dos serviços ecossistêmicos que presta ao país. Você sabe que somos um grupo pequeno, mas estou bastante animado - quando vejo no facebook - surgirem diferentes grupos interessados nos nossos bichos. Estamos ainda numa fase de saber quem é quem. Falta muito para saber quem faz o quê, onde, e para que finalidade. Por isso é que essa defasagem não nos permite uma ação conservacionista de alto nível, de um modo geral. Ainda estamos presos às espécies-bandeira e não exatamente aos ecossistemas como um todo. É uma questão de tempo. Mas o tempo passa muito depressa. E a vida desaparece assustadoramente.

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