domingo, 26 de fevereiro de 2012

OS PRIMATAS E SEUS TERRITÓRIOS: naturais, construídos e invadidos.

Colaborador: Roberto Rocha

 Nós hominídeos (Homo) somos primatas diferenciados, extremamente curiosos e versáteis.  Integramos a mesma ordem zoológica “Primates” (primeiros, em Latim) da qual fazem parte os antropoides de grande porte (great apes) - desprovidos de cauda - como os chimpanzés (Pan), gorilas (Gorilla) e orangotangos (Pongo) – e ainda outros menores, como os gibões - lesser apes – Hylobates e Symphalangus. A ausência da cauda é típica dos primatas altamente inteligentes, talvez porque precisaram aguçar suas estratégias de sobrevivência, pela perda de uma “ferramenta” tão importante para quem precisa se apoiar aqui e ali, entre tantos galhos. 

Os símios que vivem a maior parte do tempo longe do solo são chamados de “arborícolas”, ou melhor, os que vivem nas árvores. É verdade que alguns primatas sem cauda também usam as árvores, onde constroem suas “camas”, longe de predadores que rondam todas as noites em busca de uma presa desatenta.

A territorialidade é uma das características dos primatas. Embora aprecie o contato da pele, isso só deve ocorrer sob condições especiais, dentro do grupo, devidamente autorizado.  Cada “família” – grande ou pequena – ocupa e defende sua área de uso. Essa característica acompanha os primatas de todos os tipos, mesmo aqueles muito estranhos e pouco conhecidos – como os prossímios – nem sempre parecidos com os “macacos” que estamos acostumados a ver em zôos. Esses primatas primitivos e já muito ameaçados vivem no sudeste asiático, na África, e boa parte deles em Madagascar. Seus nomes também são estranhos para nós, como os lêmures, lóris, galagos, entre outros. É incrível acreditar que também sejam nossos parentes ainda que distantes.

Outros primatas que costumam aparecer em documentários e vídeos sobre a África e a Ásia, por exemplo, o babuíno (Papio), o mandril (Mandrillus), o “rhesus” (Macaca), guenons (Cercopithecus), entre outros.

Na região oriental do Brasil estamos mais familiarizados com os saguis (Callithrix, Leontopithecus), o macaco prego (Cebus), guaribas (Alouatta), guigós (Callicebus), muriquis (Brachyteles).  Na Amazônia vivem os “aranhas” (Ateles), “barrigudos” (Lagothrix), “uacaris” (Cacajao), “cuxius” (Chiropotes), macaco-de-cheiro (Saimiri), macaco-da-noite (Aotus), paraguaçus (Pithecia), sauins (Saguinus e Mico), sagui-leãozinho (Cebuella), soim-preto (Callimico) e um dos recém-descobertos, o sagui-anão (Callibella).
 São dezenas de espécies ocupando áreas verdes distribuídas nos biomas brasileiros.  A urbanização, a criação de gado e a implantação de monoculturas (soja, milho, cana-de-açúcar, entre outros) - devastaram vastas extensões do território brasileiro, onde viviam os primatas. Não há como um primata arborícola (por exemplo, o muriqui - foto ao lado) possa viver naturalmente sobre grama, plantas herbáceas e arbustivas, ou em cercados, onde animais pesados matam tudo que estiver sob suas patas. As pequenas manchas de matas são insuficientes para preservar nossa biodiversidade e funcionam como “ilhas verdes” cercadas de pastos e monoculturas. Isso causa sérias consequencias nos genomas das espécies selvagens. A consanguinidade pode comprometer a viabilidade biológica das gerações futuras.

Organismos de maior porte, em especial, necessitam de vastas áreas, para a sua sobrevivência. Essas populações geralmente são limitadas por barreiras ecológicas naturais – como um grande rio ou uma cadeia de montanhas muito elevada, fazendo com que uma espécie permaneça durante milhares de anos numa mesma área de distribuição.

O longo tempo de “convivência” faz com que existam “códigos de tolerância e respeito” – todos invisíveis - mas que garantem o uso dos recursos naturais disponíveis num mesmo espaço. Isso ocorre através do que podemos chamar de “cooperação não declarada”. Quando um primata come um fruto na parte mais alta da floresta (dossel), ele está na verdade, alimentando outros animais que estão lá em baixo. Ele não está apenas “comendo”! Ele está “distribuindo” alimentos para outros organismos! Mesmo as sementes que engole, serão “defecadas” em outros pontos, renovando estoques de alimentos no futuro.  Ao comer, um primata está alimentando fungos, bactérias e formigas que vivem lá em baixo, na grossa massa de folhas mortas e detritos encharcados. Mas nós não enxergamos dessa forma. Somos simplificadores: apenas vemos “um macaco comendo”, e nada mais...

 Nas complexas florestas, os consumidores perfeitamente integrados em suas teias vão cumprindo seus ciclos biológicos, como que fizessem parte de uma grande família, onde mesmo não sendo pai ou mãe, avô ou avó, são mantidos fortes laços de dependência vital. 

Mas eis que resolvemos transpor barreiras com as nossas naus, carroças, e animais, permitindo que espécies conhecessem regiões nunca dantes visitadas. Atravessamos grandes rios e galgamos altas montanhas. Levamos animais de uma região para outra, onde eles nunca existiram e – com certeza – causamos alguns transtornos com isso, embora nem sempre tenhamos essa perfeita compreensão.

Uma floresta “montana” (floresta serrana) pode ser algo intransponível para quem sempre viveu na baixada. Plantas que vivem nas terras baixas não são as mesmas que vivem em pontos mais altos.  A espécie não consegue “reconhecer” um novo alimento em “terras estranhas”. Melhor ficar dentro de lugares onde tudo é imediatamente familiar.

Dos primatas recentes distribuídos pelo mundo, somente o homem (Homo sapiens) tem sido um vitorioso em conquistar e ocupar diversos biomas terrestres, incluindo os desertos de areia, os desertos de gelo, campos, savanas e florestas chuvosas. Para cada ecossistema, uma estratégia diferente, com armas adaptadas às necessidades de cada situação, abrigos degradáveis, construídos com materiais da própria floresta, conhecimento do entorno, do rio, do clima, do solo, das plantas e dos animais.

Nossos ancestrais, os “ecologistas trogloditas” eram bem mais competentes do que os atuais, em questões de sobrevivência natural. Digo natural porque o modo de vida do homem contemporâneo já depende muito de interferências “criadas” por ele mesmo, a partir de tecnologias extremamente sofisticadas. Isso não existia no passado antropológico. A saúde do indivíduo era o seu bem mais importante. Não havia muito com quem contar em situações críticas e emergenciais. Ou você era competente para resolver um desafio ou morria. Ferimentos graves e fraturas múltiplas eram situações muito comprometedoras. Ficar quieto, com alguém por perto – para não ser comido por um predador – talvez fosse uma das poucas iniciativas possíveis. Quem sabe mastigar alguma erva para amenizar a dor? Invocar espíritos de cura? Algum amuleto? O que importa é que fomos vencedores e estamos hoje dispersos por todo o planeta onde seja possível caminhar.

Não satisfeitos, inventamos máquinas especiais e fomos também investigar os ambientes aquáticos, tentando imitar peixes e anfíbios. Estamos bisbilhotando as fossas abissais, com “olheiros” sofisticados que nos mostram criaturas incríveis,  que gostaríamos de ver e tocar, bem perto. Mandamos espiões voadores para o planeta Marte e desejamos saber se existe vida um pouco mais distante. Somos criaturas tremendamente invasoras.

O nomadismo ainda está presente entre nós, como um impulso da pré-história a nos empurrar para o novo, cheios de curiosidades, mais aventureiro do que sensato, mais imediatistas do que conservadores. Isso pode ser perigoso...


Nenhum comentário:

Postar um comentário